[column width=”1/1″ last=”true” title=”” title_type=”single” animation=”none” implicit=”true”]
Pela primeira vez na história, pesquisadores conseguiram projetar do zero o genoma de um ser vivo (uma bactéria, para ser mais exato) e “instalá-lo” com sucesso numa célula, como quem instala um aplicativo no celular.
É um feito e tanto, sem dúvida. Paradoxalmente, porém, o próprio sucesso do americano Craig Venter e de seus colegas deixa claro o quanto ainda falta para que a humanidade domine os segredos da vida. Cerca de um terço do DNA da nova bactéria (apelidada de syn3.0) foi colocado lá por puro processo de tentativa e erro – os cientistas não fazem a menor ideia do porquê ele é essencial.
“As pessoas já tinham feito há tempos uma estimativa da quantidade mínima de genes necessária para que um ser vivo funcionasse”, contou Venter em entrevista coletiva por telefone. “O que nós descobrimos é que a estimativa estava errada justamente por causa dessa porção substancial de genes cuja função nós ainda não conhecemos.”
A criação da syn3.0, descrita em artigo na revista especializada “Science” desta semana, coroa décadas de esforço do polêmico pesquisador, que hoje lidera um órgão privado que leva seu nome, o Instituto J. Craig Venter, na Califórnia. Depois de ser um dos líderes do sequenciamento (ou seja, a “leitura”) do genoma humano nos anos 1990, Venter se impôs a tarefa nada modesta de descobrir quais eram os “aplicativos básicos” das células, ou seja, as funções bioquímicas realmente essenciais dos seres vivos.
Venter e seus colaboradores apostavam que, se fosse possível criar em laboratório uma “célula mínima”, com um DNA contendo apenas a receita de tais funções essenciais à sobrevivência, os cientistas conseguiriam ter acesso aos mistérios mais básicos da biologia.
Mas o americano também é um homem de negócios, o que traz à tona outro de seus objetivos: a “célula mínima” poderia se tornar, no futuro, uma plataforma industrial sem precedentes. Usando-a como ponto de partida ou modelo básico, seria possível ir adicionando a tal plataforma celular os mais variados tipos de genes obtidos de outros seres vivos, de forma que a bactéria sintética produzisse medicamentos, biocombustíveis, plásticos e inúmeros outros produtos. Micro-organismos já são usados de um jeito parecido hoje, mas a versatilidade da “célula mínima” poderia levar tais aplicações a um novo patamar.
MYCOPLASMA
Tais possibilidades mirabolantes ainda estão no futuro. Venter e companhia tiveram de suar um bocado e desenvolver suas próprias tecnologias para chegar à syn3.0, que teve um ponto de partida lógico: as bactérias que naturalmente já apresentam os genomas mais enxutos da natureza, parasitas pertencentes ao gênero Mycoplasma (em parte, seu DNA é tão simples porque conseguem obter boa parte dos recursos de que necessitam de seus hospedeiros humanos).
Usando um método que “desliga” os genes de Mycoplasma, a equipe foi estimando quais eram essenciais à sobrevivência dos micróbios e quais podiam ser descartados. Depois, passaram a montar diversas versões do que parecia ser o genoma mínimo, verificando como as bactérias resultantes sobreviviam e se multiplicavam em laboratório.
“Como estamos em busca de uma ferramenta de pesquisa, também não adiantava muito obter células que eram viáveis mas demoravam muito para se reproduzir e que, portanto, não seriam muito úteis em laboratório”, explica Venter. (No fim das contas, a syn3.0 até que se saiu bem nesse quesito, dobrando sua população a cada três horas, em média.)
Após anos de tentativa e erro, eles acabaram percebendo um padrão intrigante. Havia genes que não pareciam essenciais e que podiam ser deletados sem muita dor na consciência. Entretanto, na verdade, eles formavam “pares” com outros genes, como se eles fossem cópias de segurança um do outro e aí, quando o
segundo membro do parzinho era apagado, a célula se tornava inviável. “Nós pensamos em várias metáforas da indústria da aviação para explicar isso”, conta Venter. “Uma delas é a seguinte: se você arranca um dos motores do seu avião, ele pode até ser capaz de pousar em segurança, então a tendência é você achar que o
motor não é algo essencial até arrancar o outro motor.”
O plano dos pesquisadores é comercializar tanto a syn3.0 como plataforma de pesquisa quanto os instrumentos automatizados inventados por eles para “montar” o genoma da criatura, que tem apenas 531 mil “letras” (o humano chega a 3 bilhões) e 473 genes.
Se você está preocupado com um cenário apocalíptico no qual o novo organismo sintético sai do controle, domina a Terra e mata todos nós, pode respirar aliviado: tratase de uma bactéria muito mimada.
Justamente por ter um genoma enxuto, ela não possui várias funções ligadas ao processamento de nutrientes é preciso que os pesquisadores entreguem tudo “mastigado” a ela, digamos. Portanto, não sobreviveria mais do que meia hora fora do laboratório.
Fonte: Folha de S.Paulo
[/column]