Por Caroline Lucas
O biomédico Alexander Bibrair, capa da revista Science em 2016, falou com o Conselho Federal de Biomedicina sobre a pesquisa “O nicho das células-tronco hematopoéticas no fígado fetal está associado aos vasos portais”. O biomédico, de 29 anos, destacou também os prêmios que recebeu ao longo de sua prematura e vasta vida profissional; as dificuldades enfrentadas no início de sua carreira; a pesquisa científica no Brasil e deu dicas para que os estudantes de biomedicina “acreditem nos seus sonhos, nunca desistam…e tenham orgulho de ser biomédicos, porque é uma profissão maravilhosa, cheia de oportunidades e sonhos”. Atualmente Alexander mora nos Estados Unidos, mas pretende voltar a atuar no Brasil.
A pesquisa de Alexander beneficiará sobretudo pessoas com leucemia que devem se submeter a transplantes de medula óssea. Esses pacientes frequentemente lutam contra o tempo e agora podem ter uma nova esperança de sobrevida. De acordo com o biomédico, essa pesquisa pode permitir aos investigadores recriar o ambiente da medula óssea em pequenos recipientes usados em laboratórios, método até então inviável para o cultivo desses tipos de células. Ele explica que as células vinculadas aos vasos sanguíneos (pericitos) podem se combinar e formar um nicho que permita promover a expansão das células-tronco hematopoiéticas no fígado.
Desenvolver novos tratamentos para doenças graves que afetam a mobilidade também seria uma possibilidade, segundo o biomédico. “Recentemente fizemos um trabalho mostrando que o pericito do tipo 1 é responsável parcialmente pela formação de uma cicatriz, provocada pela morte de células neurais, no caso de lesão da medula espinhal”, diz.
Conselho Federal de Biomedicina (CFBM): Alexander, por favor, fale um pouco sobre o seu projeto de pesquisa, capa da Science em 2015.
Alexander Bibrair – No artigo intitulado “Nicho das células-tronco hematopoiéticas no fígado fetal está associado aos vasos portais”, nós demonstramos que os pericitos (células contráteis que envolvem as células endoteliais dos vasos em todo o corpo) expressam Nestin e NG2. Associados com os vasos portais no fígado formam um nicho que promove a expansão das células-tronco hematopoiéticas.
Embora outros tipos de células-tronco sejam rotineiramente cultivadas em placas de Petri, as células-tronco hematopoéticas são muito difíceis de cultivar em laboratório. Elas parecem exigir que o ambiente da medula óssea funcione adequadamente. Esta pesquisa pode permitir aos investigadores recriar esse ambiente em uma placa de Petri.
O potencial dos pericitos do fígado fetal de promover a expansão das células-tronco hematopoiéticas poderá ser usado para desenvolver complexos sistemas de cultivo destas células em cultura para aplicações clínicas, tais como a expansão de células-tronco hematopoiéticas derivadas do sangue de cordão umbilical.
CFBM: Você já recebeu alguns prêmios, como Gordon A. Melson Outstanding Doctoral Student Award 2014/2015 e o Three Minute Thesis em 2014. Me fale um pouco sobre eles e sobre sua representatividade para a comunidade cientifica.
A.B – Os prêmios mencionados acima foram relacionados ao meu trabalho de doutorado na Carolina do Norte; ja o trabalho que saiu na Science foi parte do meu trabalho de pos-doutorado.
Gordon A. Melson Outstanding Doctoral Student Award 2014/2015 – a premiação reconhece o aluno de doutorado com maior destaque em produtividade de pesquisa e qualidade
Three Minute Thesis (Tese em três minutos) – Consiste na apresentação de tese de doutorado, em até três minutos, de maneira persuasiva e sem simplificar muito, para uma banca que não é da área de estudo. Essa é a missão dos participantes do 3MT (Three Minute Thesis), competição criada em 2008, pela Universidade de Queensland, na Austrália, que está se espalhando em várias instituições pelo mundo.
CFBM – Qual o principal fator que o levou a escolher uma instituição estrangeira para desenvolver seu projeto?
A.B – Eu sempre gostei de ir a congressos para aprender algo novo nas palestras, além de sempre ter gostado de ler muito. Bem, depois que meu amigo ficou hemitetraplégico e os médicos diziam para ele que a única possível cura seria a regeneração do tecido nervoso, naquele momento as células-tronco começaram a ser muito discutidas. Eu tinha enorme admiração pelo trabalho de pesquisadores brasileiros que estudavam o assunto, por exemplo, a Mayana Zatz. Ela era para mim um exemplo a ser seguido (aliás, há dois anos fui no laboratório dela fazer uma palestra). Bom, em um congresso, apresentando um trabalho, conheci um professor argentino que há muito tempo trabalha nos Estados Unidos e tem um grande laboratório na Carolina do Norte, Osvaldo Delbono. Ele gostou muito das minhas ideias e planos do que eu gostaria de fazer cientificamente e me convidou para fazer o doutorado com ele nos Estados Unidos.
CFBM – Qual a expectativa em relação a sua pesquisa agora e como anda a sua vida profissional?
A.B – Eu estou muito bem. Atualmente trabalho na pesquisa de células tronco no hospital Albert Einstein em Nova York. Tenho experiência na área de Biologia e Genética Molecular, Farmacologia, Fisiologia, Patologia e Biologia Celular. Em breve, espero estar me transferindo para o Brasil; para continuar minhas pesquisas ai. Assim que tiver algo certo lhes informarei com certeza.
CFBM – Aproveitando a polêmica questão da regulamentação, o uso de células tronco faz com que sobre esperanças em quem teoricamente teria uma vida melhor com sua implantação. No entanto, o avanço da prática desse tipo de pesquisa esbarra em questões religiosas e éticas. Comente um pouco esse processo e quais são as suas preocupações em relação ao uso de células tronco.
A.B – Eu nao acho apropriado falar de religioes e de questoes eticas em relacao as celulas tronco, pois ha especialistas muito maiores do que eu que estudam estas questoes. Eu respeito todas as religioes; no meu caso, eu sou judeu, e na minha religiao, por exemplo, seria mais apropriado um rabino falar destas questoes. Eu sigo as regulamentacoes a risca depois que elas ja sao estabelecidas. O unico que sei ‘e que salvar vidas deve ser o maior objetivo de todos.
CFBM – Como foi o início da sua carreira no Brasil e quais foram as principais dificuldades enfrentadas para que desse continuidade ao seu trabalho no País?
A.B Na época do vestibular, eu sabia que queria ser cientista e pesquisador, e queria descobrir algum tipo de tratamento na área médica, especialmente porque tive um amigo de infância (Rodrigo Bardon) que sofreu um acidente e ficou hemitetraplégico, sem movimento na metade do corpo. Somos grandes amigos, ele sempre me incentivou e incentiva até hoje. Ele é um exemplo para mim de luta e perseverança para alcançar os objetivos. Enfim, houve algumas ocasiões na minha vida em que, em contato com doenças, eu queria achar alguma solução para curá-las. Então sempre pensava em fazer medicina, não para curar, mas para inventar curas que ainda não existiam.
Meus pais são professores de matemática, ele, Lev Birbrair, na Universidade Federal do Ceará (UFC) e ela, Marina Sobolevsky, na Universidade Estadual do Ceará (UECE). Então o ambiente acadêmico sempre esteve presente em minha casa. A parte de medicina que eu não era tão apaixonado era exatamente a de ser médico prático, atender pacientes. O meu sonho era tentar inventar novas curas.
Prestei vestibular para Medicina na UFC e passei na primeira fase. Só que meus pais, quando estavam fazendo minha inscrição para medicina em Ilhéus, viram que tinha um curso de biomedicina que me daria a chance de fazer exatamente o que eu sonhava, pesquisa em medicina. Além disso, no vestibular de medicina em Ilhéus, a prova de inglês era obrigatória, não poderia ser outra língua. E como eu não sabia nenhuma palavra em inglês, assim acabei meio casualmente em Ilhéus fazendo biomedicina. E tive muita sorte porque encontrei um grupo muito bom, professores maravilhosos, com vida laboratorial muito intensa. Tive dois orientadores muito queridos na iniciação científica, Rachel Passos Rezende e João Carlos Teixeira Dias, que continuam professores na Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC). E vários dos meus colegas se destacaram bastante, muitos estão em centros de pesquisa bem conceituados espalhados pelo mundo: Nova York, Washington, Califórnia, Canadá, e a maior parte deles hoje está na USP, tanto em São Paulo quanto em Ribeirão Preto.
Eu tive na graduação um grupo muito bom de colegas e professores que impulsionaram meu amor pela pesquisa. Na graduação eu atuei principalmente nas áreas de microbiologia e genética, e ganhei um prêmio na UESC pelo melhor trabalho na iniciação científica, no qual estudávamos a diversidade genética de um certo tipo de bactéria chamada Chromobacterium violaceum. Ela é ambiental, não é uma bactéria que usualmente causa infecção, mas em Ilhéus, na época, tinham sido registrados alguns casos de falecimento provocados por esta bactéria.
Então, com a orientação dos professores e com o grupo – em ciência tudo se faz em grupo – conseguimos esses isolados e fizemos uma comparação genética. E num congresso, quando eu estava apresentando esse trabalho, alguém comentou “muito bem, você caracterizou muito bem essas bactérias. São diferentes, parece que houve uma mutação que tornou patogênica a bactéria que era ambiental, mas seria interessante que você estudasse todo o mecanismo, o que acontece quando essa bactéria infecta o organismo humano”. E para buscar a resposta a isso eu me interessei em estudar modelos de animais experimentais nos quais poderíamos analisar melhor a sinalização que acontece quando essa bactéria infecta a célula humana. Como essa era uma área em que a UESC não era forte, acabei parando na UNIFESP, na Escola Paulista de Medicina, usando os ratinhos experimentais de lá. Acabei fazendo um vínculo entre a UESC e a UNIFESP para o meu estágio de último ano de biomedicina.
CFBM – Como você avalia o atual estágio da pesquisa biomédica no Brasil?
A.B – Acredito que o Brasil está muito bem no cenário mundial. Há muitos artigos em revistas cientificas de alto impacto. Há também muitos cientistas renomados que são conhecidos por todo o mundo em diversas áreas. O Brasil me parece muito bem, e espero que o governo possa investir cada vez mais na ciência brasileira e nos pesquisadores que estão no Brasil. E sinceramente, eu gostaria de voltar em algum momento e poder ajudar ao crescimento da ciência que ocorre em nosso país.
CFBM – O que você acredita ser necessário para maior promoção da pesquisa em Biomedicina no país?
A.B – Maior financiamento do governo; e uma visao mais parecida a daqui dos Estados Unidos: para haver avancos cientificos grandes investimentos na ciencia nacional sao necessarios. O governo deveria valorizar mais os cientistas que ja estao no pais. H’a referencias mundiais em diversas areas nas unviersidades brasileiras; e o investimento na pesquisa deveria crescer cada vez mais se o Brasil quer crescer e alcancar o nivel de desenvolvimento dos Estados Unidos.
CFBM – Que conselho você daria para um estudante que deseja enveredar pela pesquisa em Biomedicina?
Acreditem nos seus sonhos, nunca desistam. Escutem as críticas com os ouvidos, mas não com o coração. Para crescer em cima das críticas construtivas e tentar melhorar a cada dia. E tenham orgulho de ser biomédicos, porque é uma profissão maravilhosa, cheia de oportunidades e sonhos.
No que diz respeito a minha filosofia pessoal, eu tenho uma sensação contínua de que eu preciso experimentalmente fazer mais e melhorar a minha ciência. Apesar da frustração, que é normal na ciência, já que estamos sempre experimentando algo totalmente novo, eu percebi que esse sentimento é bom, e me mantém sempre motivado a supera-lo.