Uma sequência de recentes decisões judiciais voltou a acirrar o debate sobre quais são as atribuições exclusivas dos médicos e quais podem ser exercidas por outras categorias profissionais, como farmacêuticos e biomédicos.
Essas ações, alvo de nova polêmica no setor, questionam normas elaboradas pelos conselhos de cada categoria que permitem ou dão regras para atividades como consultas e avaliação de pacientes, oferta de procedimentos estéticos e realização de laudos de exames citopatológicos (como o papanicolau).
Em um dos embates, médicos obtiveram em setembro uma liminar que revoga trechos de resolução do Conselho Federal de Farmácia que regulamenta ações como o atendimento em consultórios farmacêuticos, a prescrição de alguns medicamentos e a verificação de sintomas.
Após recurso, a liminar foi anulada, mas a resolução ainda é contestada por médicos.
Já em outubro, uma ação do CFM (Conselho Federal de Medicina) cancelou temporariamente resolução do Conselho de Biomedicina que previa a atuação desses profissionais em procedimentos estéticos como aplicação de botox e em peelings.
Embora a decisão tenha sido revista, a avaliação é que o impasse continua. “Estamos trabalhando com a liminar em mãos e vamos lutar até o fim”, diz Frank Castro, da autarquia federal que representa os biomédicos.
Nas últimas semanas, ele e outros colegas se reuniram para tentar rever outra sentença que possibilitou aos médicos se recusarem a aceitar laudos de exames de citopatologia assinados por biomédicos.
Os casos são o novo capítulo de uma disputa que, após a aprovação em 2013 da chamada “lei do ato médico”, tem ganhado espaço na Justiça.
Balanço do CFM aponta ao menos 20 ações, de autoria própria ou de outros grupos de profissionais, que questionam se determinadas atribuições são restritas ou não aos médicos. Não há informações sobre as datas dos processos.
O número, no entanto, pode ser maior, já que o levantamento não inclui ações de outras entidades. Só o conselho de farmácia, por exemplo, diz responder a pelo menos 33 ações em diferentes Estados sobre atendimento clínico por farmacêuticos, a maioria impetradas desde agosto.
DEFESAS
Para os médicos, o exercício de atividades médicas por outras categorias traz riscos à saúde do paciente. “Estamos preocupados com a quantidade de complicações em procedimentos estéticos invasivos feitos por não médicos”, diz Gabriel Gontijo, da Sociedade Brasileira de Dermatologia, que entrou com ação em conjunto com o CFM.
Já biomédicos e farmacêuticos negam interferência na área médica e alegam que as decisões recentes colocam em risco classes profissionais consolidadas e até mesmo o atendimento aos pacientes.
“Não queremos exercer outra profissão. Só queremos o direito de cuidar da saúde das pessoas”, afirma o presidente do Conselho Federal de Farmácia, Walter Silva João.
Segundo ele, a resolução que define o atendimento clínico pelos farmacêuticos, alvo de contestações pelos médicos, visa apenas o cuidado do paciente nos casos de “transtornos menores”. “Não queremos cuidar da doença, mas só de sinais e sintomas. A farmácia não deixa de prestar serviços ao SUS.”
Já o presidente do CFM, Carlos Vital, diz que, na maioria das vezes, não é recomendável tratar só sinais e sintomas. “Isso retarda a procura do médico e tira a condição de melhor diagnóstico.”
IMPACTOS
Para Frank Castro, do Conselho Federal de Biomedicina, as decisões também podem afetar o atendimento a pacientes –caso de exames citopatológicos que podem alertar sobre suspeita de câncer, por exemplo.
Isso ocorreria porque, em ação recente, médicos ganham autorização para contestar laudos de exames com resultados positivos assinados por “não médicos”. Neste caso, o paciente terá que solicitar novo laudo ou procurar por novo exame. “Se não fizermos mais exames preventivos, vai ser o caos”, diz ele, para quem não há médicos suficientes para a área.
Questionado, Vital diz que a medida não visa impedir a atuação de outros profissionais, mas garantir um diagnóstico correto.
“Citopatologia pode ser feita por outros profissionais especificados, como o biomédico, desde que os diagnósticos sejam feitos por médicos”, afirma o presidente do CFM.