Biomédico brasileiro conclui que HIV neutralizado e células tronco podem combater tumor cerebral

29 de setembro de 2016
Fatia de cérebro de camundongo recém-nascido contendo células-tronco e neurônios jovens
Fatia de cérebro de camundongo recém-nascido contendo células-tronco e neurônios jovens

Existem aplicativos que facilitam a vida nas grandes cidades com a proposta de mostrar rotas mais rápidas, calcular tráfego e tempo necessário para se chegar ao destino final. Um pesquisador brasileiro, ao estudar um tipo específico de célula-tronco, parece ter encontrado um tipo de “aplicativo biológico” com função parecida.

A diferença entre essa e a versão de celular é que o destino não pode ser alterado, é sempre um agressivo tumor cerebral. Dispondo de um “GPS orgânico”, a ideia é destruir o tumor ao direcionar para ele células infectadas com HIV (vírus da Aids) modificado. Pode parecer ficção científica, mas é ciência.

CÉLULA-TRONCO

O uso de HIV para curar tumores em camundongos começou quando o grupo de estudos de Alexander Birbrair, pesquisador da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), descobriu que poderia criar células-tronco neurais a partir de algumas células do músculo.

Ao estudarem os pericitos, pequenas células que ficam em volta dos vasos sanguíneos, os pesquisadores perceberam que, a partir deles, era possível conseguir células-tronco similares às neurais.

“Células-tronco neurais estão presentes no organismo somente no cérebro. Se você quiser esse tipo de célula para qualquer tipo de terapia, é necessário fazer uma biópsia do cérebro, o que não é possível”, diz Birbrair.

Além dessa, todas as outras formas de conseguir essas células acabam travadas por problemas éticos. Daí a importância de obtê-las a partir de tecido muscular, que é abundante e de fácil acesso no corpo humano.

NO ESCURO

Como um mímico puxando uma corda invisível, as células-tronco neurais descobertas pela equipe de Birbrair são atraídas para um agressivo tumor cerebral, o glioblastoma.

Esse tipo de câncer é veloz e costuma se espalhar, gerando metástase. Isso poderia ser um problema para drogas que fossem direcionadas para o tumor principal, pois os tumores secundários, dispersos, não seriam atingidos.

O cérebro, além disso, possui barreiras naturais que dificultam a chegada de medicamentos. Retirar mecanicamente tumores também se mostra problemático, considerando o quão invasivo é o procedimento.

Em testes com camundongos, contudo, todos os tumores foram alcançados pelas células-tronco neurais. Restava pensar em estratégias para usar essa habilidade.

“Vimos que essas células poderiam funcionar como veículos, como carregadores de alguma coisa tóxica para a célula tumoral. Era muito importante pensar em alguma coisa que não destruísse o resto normal do cérebro”, diz Birbrair.

EXTERMINADOR

Foi aí que a equipe de pesquisa, utilizando-se dos achados de estudos realizadas por outros grupos, pensou no HIV, que se mostrou um excelente candidato para a tarefa.

Por meio de engenharia genética, Birbrair modificou o vírus, tornando-o inofensivo, e infectou as células-tronco neurais descobertas.

Desse modo, conseguiu alterar o DNA das células e fazer com que elas produzissem continuamente uma substância antitumoral, o Trail (acrônimo que, não por acaso, tem o significado de caminho ou trilha, em inglês).

Agora a equipe tinha o transporte e a arma necessária para finalmente levar a missão a cabo. “Colocamos as células-tronco neurais que produziam a substância em contato com células tumorais. Vimos que essas células-tronco conseguiam matar o tumor”, diz Birbrair. Essa forma de terapia por enquanto está em fase de testes em camundongos.

Por enquanto, os pesquisadores ainda não sabem os efeitos a longo prazo das células-tronco enviadas para o cérebro. De toda forma, a expectativa de sucesso quanto ao método terapêutico utilizado é alta.

“No futuro talvez a gente possa tratar certas doenças do sistema nervoso central, como as neurodegenarativas, com o vírus da zika levando algum tipo de medicamento”, especula Birbrair.

A pesquisa foi publicada recentemente pela revista científica “Stem Cells Translational Medicine”.

O pesquisador afirma que a parte mais difícil de todo o processo é obter financiamento para a pesquisa.

“O mais trabalhoso é você conseguir o dinheiro necessário para fazer isso tudo. Não deveria faltar verba para pesquisas que podem trazer esse tipo de benefício para a população”, afirma.

Fonte original: Folha de S.Paulo

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