Os efeitos da Macela sobre as funções neutrofílicas ligadas a inflamação

21 de novembro de 2015

Achyrocline satureoides (LAM) D.C., popularmente conhecida como macela, é uma planta herbácea perene tradicionalmente utilizada e indicada para o alívio de diversos males, como mal estar gástrico e intestinal, diabetes, inflamações, entre outros (Figura 1). Esta espécie possui ampla dispersão nos estados da região sul do Brasil, e é encontrada também em países como Colômbia, Argentina, Uruguai e Paraguai. Adicionalmente, além de ser a planta símbolo do estado do Rio Grande do Sul, está entre as dez espécies vegetais mais consumidas neste estado (RETTA et al., 2012).

Figura 1 – Achyrocline satureoides (macela) em seu habitat natural
Figura 1 – Achyrocline satureoides (macela) em seu habitat natural

A inflamação é um mecanismo de defesa complexo que visa fundamentalmente eliminar uma lesão ou injúria e restabelecer a homeostase tecidual. Os neutrófilos segmentados são células sanguíneas fagocitárias orientadamente recrutadas para locais de infecção e/ou inflamação e possuem fundamental importância na gênese e desenvolvimento do processo inflamatório agudo. Assim, o processo de migração dos neutrófilos na inflamação é um evento complexo e envolve a ativação de várias células, incluindo monócitos, macrófagos, mastócitos, células dendríticas e células endoteliais da extensa rede de vasos capilares da microcirculação local e/ou sistêmica. Receptores de membrana, como os receptores de reconhecimento padrão (PRRs) toll-like (TLRs; toll-like receptors), desempenham papel fundamental no desenvolvimento da resposta inflamatória. Os TLRs, tal como o TLR-4, reconhecem padrões moleculares associados ao patógeno (PAMPs), como o lipopolissacarídeo (LPS) de Escherichia coli (E. coli), encontrado na membrana externa de bactérias gram-negativas, e desencadeiam a ativação de vias de sinalização capazes de induzir a produção e secreção de citocinas e quimiocinas pró-inflamatórias, como a IL-1 (interleucina-1) e o TNF-α (fator de necrose tumoral-α), a IL-8 (interleucina-8), e de leucotrienos, como o LTB4 (leucotrieno B4). A produção e secreção destes e outros mediadores inflamatórios desencadeiam a ativação de células do endotélio de vênulas pós-capilares da microcirculação e de leucócitos circulantes que passam a rolar, aderir e transmigrar para o meio extravascular, em direção ao foco de lesão. Adicionalmente, receptores de membrana endoteliais e leucocitários, como as selectinas (P; E, e L), a família das integrinas, e a superfamília das imunoglobulinas, como a PECAM-1 (platelet endothelial cell adhesion molecule), participam deste processo que culmina com a transmigração, a quimiotaxia neutrofílica em direção ao gradiente de maior concentração de substâncias quimioatratívas e/ou constituintes formilados da parede bacteriana, como o fMLP (peptide N-formyl-methionyl-leucyl-phenylalanine), levando a fagocitose do agente lesivo, preferencialmente, pelos neutrófilos e macrófagos, e a eliminação das possíveis consequências geradas pelo dano celular. No entanto, a exacerbação dos processos envolvidos na eliminação do agente agressor, como pela produção exacerbada de espécies reativas de oxigênio, podem causar sérios prejuízos aos tecidos adjacentes e ao organismo (KAGAN & MEDZHITOV, 2006; GREEN et al., 2004; SMALLEY & LEE, 2005; LEY et al., 2007).

Vários estudos com diferentes extratos de A. satureoides demonstram sua atividade antioxidante e imunomoduladora (SIMÕES et al., 1984; COSENTINO et al., 2008; SANTIM et al., 2010). Estes estudos fornecem evidências de que a infusão de macela afeta profundamente as respostas funcionais das células polimorfonucleadas, como a geração de espécies reativas de oxigênio e a produção de interleucinas, apoiando assim seu uso tradicional como antiinflamatório. Os efeitos imunomoduladores de A. satureoides, em parte, são atribuídos a grande concentração de polifenóis, representados principalmente pelos flavonóides quercetina e luteolina (RETTA et al., 2012). Os flavonóides são antioxidantes oriundos da alimentação e atuam de forma efetiva no organismo quelando íons e sequestrando radicais livres (KIM et al., 2011). Recentemente desenvolvemos no Laboratório de Toxicologia Experimental da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo – SP, sob comando da Prof. Tit. Dra. Sandra Helena Poliselli Farsky, um estudo que buscou investigar os efeitos de A. satureoides sobre a inflamação causada pelo LPS in vivo. Vale ressaltar que a coleta da espécie vegetal foi previamente autorizada pelo Conselho de Gestão do Patrimônio Genético do Ministério do Meio Ambiente (CGEN; Brasil), e todos os procedimentos experimentais in vivo foram aprovados pelo Comitê de Ética no Uso de Animais da FCF/USP (CEUA/FCF/USP). Nossos resultados mostraram que o tratamento in vivo com o extrato bruto hidroalcoólico de A. satudeoides: i) reduziu o recrutamento de neutrófilos para o tecido de animais pré-tratados com A. satureoides e inflamados pelo LPS, ii) reduziu a expressão de receptores TLR-4 (receptores de reconhecimento padrão (RRPs) do LPS) em neutrófilos circulantes, iii) interferiu com as atividades fagocíticas e microbicidas de neutrófilos circulantes, iv) inibiu a secreção dos mediadores quimiotáxicos LTB4 e IL-8 no lavado do infiltrado inflamatório coletado destes animais, v) diminuiu o comportamento de rolamento e de adesão dos leucócitos à parede de vênulas pós capilares da microcirculação mesentérica, vi) reduziu a porcentagem de neutrófilos positivos para as moléculas de adesão L-selectina e β2-integrina e, vii) não alterou os parâmetros histológicos do fígado e dos rins, e a concentração sérica dos marcadores de atividade hepática e renal dos animais (BARIONI et al., 2013).

Estes dados nos permitiram concluir que o pré-tratamento in vivo com o extrato bruto hidroalcoólico de A. satureoides exerce efeitos imunomoduladores sobre a resposta inflamatória induzida pelo LPS sem causar efeitos tóxicos detectáveis nestas condições. Estes efeitos provavelmente estão associados à redução da migração neutrofílica para o foco inflamatório e à redução da capacidade fagocítica e microbicida destas células. Apesar destes achados recentes, os mecanismos envolvidos na atividade antiinflamatória de A. satureoides ainda não estão totalmente elucidados e investigações futuras são necessárias para o melhor entendimento de seus efeitos no organismo. Como conclusão, a realização de estudos que visem esclarecer as propriedades farmacológicas e toxicológicas de espécies e/ou drogas vegetais, a atualização e capacitação de profissionais de saúde prescritores e não prescritores de fitoterápicos, bem como a implantação de programas que visem incentivar e atribuir, de acordo com a competência de cada profissão ou habilitação, a prescrição e/ou recomendação responsável de fitoterápicos, poderão contribuir para com a educação e conscientização da população sobre as boas formas de cultivo e uso seguro de plantas medicinais e outros produtos naturais.

Este estudo foi realizado com apoio da FAPESP nº 11/15115-2.
Para ler o trabalho na íntegra acesse: Ler estudo.

BIBLIOGRAFIA

BARIONI, E. D.; SANTIN, J. R.; MACHADO, I. D.; RODRIGUES, S. F. P.; FERRAZ-DE-PAULA, V.; WAGNER, T. M.; COGLIATI, B.; CORREA, M.; MACHADO, M. S.; ANDRADE, S. F.; NIERO, R.; FARSKY, S. H. P. Achyrocline satureoides (Lam) D.C. hydroalcoholic extract inhibits neutrophil functions related to innate host defense. Journal of Evidence-Based Complementary & Alternative Medicine, v. 2013, p.1-12, 2013.

COSENTINO, M.; BOMBELLI, R.; CARCANO, E.; LUINI, A.; MARINO, F.; CREMA, F.; DAJAS, F.; LECCHINI, S. Immunomodulatory properties of Achyrocline satureoides (LAM) D.C. infusion: a study of human leukocytes. Journal of Ethnopharmacology, v.116, p.501-507, 2008.

GREEN, C. E.; PEARSON, D. N.; CAMPHAUSEN, R. T.; STAUNTON, D. E.; SIMON, S. I. “Shear-dependent capping of L-selectin and P-selectin glycoprotein ligand 1 by E-selectin signals activation of high-avidity ?2-integrin on neutrophils,” Journal of Immunology, vol. 172, no. 12, pp. 7780–7790, 2004.

KAGAN, J. C.; MEDZHITOV, R. “Phosphoinositide-mediated adaptor recruitment controls toll-like receptor signaling,” Cell, vol. 125, no. 5, pp. 943–955, 2006.

KIM, G. N.; KWON, Y. I.; JANG, H. D. Protective mechanism of quercetin and rutin on 2,2’ – azobis (2-aminopropane) dihydrochloride or Cu2+ -induced oxidative stress in HepG2 cells. Toxicology in Vitro, v.25, p.138-144, 2011.

LEY, K.; LAUDANNA, C; CYBULSKY, M. I.; NOURSHARGH, S. “Getting to the site of inflammation: the leukocyte adhesion cascade updated,” Nature Reviews Immunology, vol. 7, no. 9, pp. 678–689, 2007.

RETTA, D.; DELLACASSA, E.; VILLAMIL, J.; SUÁREZ, S. A.; BANDONI A. L. Marcela, a promising medicinal and aromatic plant from Latin America: a review. Industrial Crops and Products, v.38, p.27-38, 2012.

SANTIN, J. R.; LEMOS, M.; KLEIN Jr., L. C.; NIERO, R.; ANDRADE, S. F. Antiulcer effects of Achyrocline satureoides (LAM) DC (Asteraceae) (Marcela), a folk medicine plant, in different experimental models. Journal of Ethnopharmacology, v.130, p.334-339, 2010.

SIMÕES, C. M. O. Investigação químico-farmacológica de Achyrocline satureoides (Lam.) D.C., Compositae (Marcela). Porto Alegre, 1984. 186p. Dissertação de Mestrado – Faculdade de Farmácia – Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

SMALLEY, D. M.; LEY, K. “L-selectin: mechanisms and physiological significance of ectodomain cleavage,” Journal of Cellular and Molecular Medicine, vol. 9, no. 2, pp. 255–266, 2005.


Éric Diego Barioni
Biomédico, mestre em Ciências com área de concentração em Toxicologia e Análises Toxicológicas. Doutorando em Ciências com área de concentração em Toxicologia e Análises. Conselheiro Honorário do Conselho Regional de Biomedicina da 1ª Região (CRBM-1).

Rodrigo de Azevedo Loiola
Graduado em Enfermagem, doutorando em Ciências Biológicas (Biologia Molecular), professor licenciado na Universidade Ibirapuera e pós-doutor pela Willian Harvey Research Institute (Queen Mary University of London – Londres, Reino Unido).

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